É uma aldeia que respira pujança na sua arquitectura. Em tempos deve ter sido importante pólo económico nesta área geográfica (ao ponto de ter chegado a ser decretada a mudança para lá do juiz de fora de Mogadouro, embora a medida fosse revogada e não concretizada, e tal desiderato se prendesse com questões políticas conjunturais). A tradição oral diz que por ali ficaram os judeus que vinham fugidos de Espanha a cavalo (os calçados e a pé terão seguido para Vilarinho e os descalços para Carção e Argozelo - Leite de Vasconcellos, Etnografia, vol. IV).
D. Dinis atribui-lhe carta de foro em 1286. A Junta de Freguesia festejou o aniversário do facto através da edição de importante obra que reúne trabalhos de diversos autores e de que aqui já dei conta. As marcas dessa abastança ainda se fazem notar nas bonitas fachadas que enfeitam as ruas e praças da localidade.
E quando me preparava para vir embora, depois de recolher o que interessava, eis que uma voz me questiona: "gosta de Lagoaça?"
"Sim! Claro que gosto!", respondi surpreso com a invectiva inesperada. Procurei a origem do som e deparei-me com três simpáticos anciãos que gozavam o tímido sol de Março, pacatamente sentados no largo amplo onde tantas vezes passei no autocarro com destino a Coimbra.
Fotos: Antero Neto.
Chamaram-me para dois dedos de conversa. E em boa hora o fizeram. Que tarde deliciosa ali passei a escutar atentamente histórias, tradições e cantigas de antanho que me debitaram com grande entusiasmo. A senhora do lado direito, D. Maria de Fátima Cordeiro (com uma costela de Tó), é um belo repositório vivo de saberes ancestrais. Eis um dos versos que me legou:"Lagoaça é um jardim,
Toda a gente diz que sim.
Ó que linda a nossa terra,
Por esses mundos além,
Toda a gente nos quer bem,
Desde o vale até à serra.
Viva Lagoaça, terra portuguesa,
Aldeia pequenina, cercada de riqueza,
Viva Lagoaça, que não tem rival,
Dentro do concelho não há outra igual."
Questionei-os sobre a tradição solsticial do Zangarrão. Já não é da lembrança deles (ti Maximino Fresco tem 80 anos). Ti Maximino e D. Elisa Amélia Barbeiro intervieram amiúde na conversa e falaram-me de uma tradição de passagem de ano. Reunia-se a malta nova e metia um boneco antropomorfo num caixão de madeira e, em procissão liderada pelo portador de uma cruz de palha, davam a volta ao povo. Alguns dos rapazes transportavam artefactos a simular lanternas. À meia-noite em ponto queimavam a cruz de palha e gritavam em uníssono: "morra o velho e viva o novo!"
Ainda me revelaram cantigas e tradições em desuso que prometi recolher com rigor em próxima visita.