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domingo, 14 de dezembro de 2014

Colóquio sobre máscaras e festas de Inverno em S. Pedro da Silva

Como já aqui tinha anunciado, ontem teve lugar em S. Pedro da Silva, concelho de Miranda do Douro, um colóquio/tertúlia sobre máscaras e rituais de solstício. O evento decorreu no âmbito da celebração das festas de Santa Luzia, que integram um ritual de solstício - o Velho e a Galdrapa.
Hélder Rui Ferreira, responsável pelo projecto da "Rede Ibérica da Máscara", que também esteve presente, citando o Dr. Carlos Magno, disse: "pago para ter uma boa conversa". E a conversa foi óptima. Encontros desta natureza são essenciais para ajudar a descodificar e promover esta enorme riqueza imaterial que as terras do nordeste transmontano possuem. Divulgar, com qualidade, é urgente. A tarde/noite proporcionou abordagens distintas, mas convergentes nos aspectos que são transversais às festas com máscara. Tenho a certeza que a farta assistência presente (composta maioritariamente por alunos da Universidade Sénior de Miranda do Douro e população local) não saiu defraudada desta tertúlia cultural.
Aspecto da minha comunicação, em que procurei explorar hipóteses para a leitura e melhor compreensão dos símbolos das máscaras.
Presidente da União de Freguesias de Silva e Águas Vivas (Dr. Alfredo Cameirão), presidente do Município de Miranda do Douro (Dr. Artur Nunes), Mário Correia, Dr. António Mourinho, Dr. Carlos Ferreira e Antero Neto (oradores convidados).
Fotos: Rede Ibérica da Máscara.
Resta dizer que no final ainda fomos obsequiados com um saboroso repasto de batatas guisadas na panela de ferro, ao lume - como manda a tradição - e com uma pequena demonstração cénica do ritual local. Termino com um abraço ao Dr. Alfredo Cameirão, agradecendo a gentileza deste convite, que muito me honrou.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Festa de Santa Luzia - S. Pedro da Silva

As festas de Santa Luzia realizam-se na aldeia de S. Pedro da Silva, no concelho de Miranda do Douro. Estas festividades integram um ritual de solstício de Inverno - o Velho e a Galdrapa, que foi recentemente recuperado. A convite da organização, que muito me honra, irei integrar um painel de oradores que dissertarão sobre temas ligados às tradicionais festas com máscaras do Nordeste Transmontano. O evento designa-se "Cumbersas d'Ambierno" e terá lugar no próximo dia 13 de Dezembro, a partir das 16.00h. Depois, há batatas e festa. Promete...
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segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Tempo de máscaras

"Na Quinta de S. Pedro, pela quadra do Natal, quando se ouvia o vibrante rataplão duma caixa na ladeira da Roca, era um reboliço de todos os demónios. Os rapazes em correria iam gritando:
- Aí vem o careto! Aí vem o careto!
- Fugi raparigas que aí vem o diabo."
Santos Júnior, in "O "careto" de Valverde, ..." (Porto, 1940).
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Máscaras oferecidas a Santos Júnior pela D. Felicidade Mamede Martins, professora do ensino primário de Vale de Porco e pelo sr. Ernesto Salgado, de Meirinhos. O Prof. Santos Júnior, por sua vez, ofereceu-as ao Museu Antropológico da Universidade do Porto.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Astérix, Soutelo e Tó

Vem este post a propósito de uma conversa, ocasionada por mais um adiamento de audiência de julgamento. Fui até Torre de Moncorvo, em deslocação profissional. Adiada a sessão, decidi demorar-me por lá algum tempo, em convívio com amigos locais. Já ali dei aulas, na Escola Secundária Dr. Ramiro Salgado (por duas vezes), e nutro natural simpatia pela terra.
Breve visita ao Museu do Ferro e foi tempo de colocar a conversa em dia com o Nelson Campos (Rebanda). Verdadeiro "Mestre", a fazer-me lembrar o saudoso Prof. Orlando de Carvalho, o Nelson é um poço de conhecimento que facilmente cativa o ouvinte.

A propósito de uma citação que Paulo Alexandre Loução fez de um seu artigo escrito na revista "Forum Terras de Mogadouro" (n.º 2, Dez. 2001), a conversa acabou por centrar-se no famoso "Bi Tó Rô" - festa de Soutelo.
E o que é que a castiça BD belga e a aldeia de Tó têm que ver com a questão? Já lá vamos...
O assunto é complexo e comprido. O artigo em causa explana de forma clara a teoria que o Nelson tem sobre a origem da festa e da respectiva denominação. Sintetizando, de forma simplista (e quase grosseira), terá existido em tempos, no vale de Aritia (Valaritia/Valariça/Vilariça?), perto de Nemi, em Roma, um templo dedicado a Diana (deusa da caça e dos bosques), situado no meio de um bosque que possuía uma árvore (carvalho) em que crescia o ramo dourado, que era o visco. O visco e o carvalho eram  sagrados para os celtas. O visco só podia ser colhido por um sacerdote, munido de uma pequena foice em ouro (os leitores do Astérix já identificaram algo?).

Essa árvore era guardada por um "mordomo" que, durante um ano a protegia dos intrusos. Esse mordomo só podia ser deposto em luta mortal por outro pretendente. Esse pretendente era vitoriado: "vitória ao mordomo" (citando o Nelson no artigo em causa: "se o V corresponde ao B na dicção popular, o último "ó" ou "ô" corresponde ao pronome demonstrativo "o" (que no português-padrão actual seria precedido da preposição "a" - "ao"). O acentuar das sílabas tónicas, deixando cair a átona, produziu, por apócope, a palavra "Bitórô" ou "Bitóró" [...]").
A Sécia a segurar o ramo, com o Moço em posição de defesa (aldeia de Tó) - foto: Antero Neto.

Conhecida a teoria do nome da festa de Soutelo, resta acrescentar que o ritual de solstício da aldeia de Tó encaixa que nem uma luva nesta descrição, pois estão lá a figura do Mordomo e o Ramo que é defendido das investidas do Carêto, pelo Moço (sendo que, no ano seguinte os papéis serão renovados, havendo sempre a mudança do Mordomo, tal como na mitologia romana e celta!). Interessante...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Festas Solsticiais no concelho de Mogadouro

O presente artigo foi escrito para o blogue "Farrapos da Memória", onde se encontra publicado e que agora se reproduz:
" Nunca como agora se assistiu à valorização das raízes. Coincidindo com o abandono massivo do interior e o consequente engrossamento dos núcleos habitacionais do litoral, assiste-se a uma busca do que é genuíno, autêntico, tradicional e rural. Neste contexto, ganham protagonismo certas manifestações dessa ancestralidade, tais como sejam, por exemplo, as festas de solstício.

O concelho de Mogadouro conserva ainda vivas algumas manifestações do solstício de Inverno. Até há cerca de cem anos atrás, existe notícia destes eventos em grande parte das aldeias do concelho. Hoje em dia, apenas quatro mantêm bem viva a tradição: Bruçó, Bemposta, Tó e Vale de Porco.
"Chocalheiro" - Bemposta
Anteriores aos romanos, por estes assimiladas e posteriormente cristianizadas, as festas do solstício de Inverno tomam lugar no período que medeia entre o Natal e o primeiro de Janeiro (algumas, entretanto desaparecidas, também saíam à rua no dia de Reis).

Como é sobejamente sabido, o dia 25 de Dezembro nem sempre foi assinalado como a data do nascimento de Cristo (foi o papa Liberus, em 354, que começou a tradição). Este dia foi associado ao advento do Menino por uma questão de conveniência. Desde tempos imemoriais que o solstício de Inverno é comemorado pelas diversas culturas nesta altura.

Mitra, a incarnação do Sol, a Luz da verdade, nasceu numa caverna, filho de mãe virgem, visitado por três soberanos estrangeiros, no dia 25 de Dezembro, pelo menos 1400 anos antes de Cristo. Os gregos, e depois deles os romanos com as suas “saturnálias” entregavam-se, nesta época do ano, a práticas de exaltação da passagem do ano velho para o ano novo. Trocavam presentes entre si e organizavam festas onde reinava a desordem, apelando ao Sol pela fertilidade da mãe Natureza.

As festas de Bruçó, Bemposta, Tó e Vale de Porco têm diversos elementos comuns. O primeiro, e incontornável, é a época. Em Bruçó, os “Velhos” saem à rua no dia 25 de Dezembro. Tal como o “Chocalheiro” de Vale de Porco. O "Chocalheiro" de Bemposta sai no dia 26 de Dezembro e no dia 01 de Janeiro. O “Farandulo” de Tó sai no primeiro de Janeiro. Em Bruçó, tentou recuperar-se recentemente a figura do Chocalheiro, desaparecida há muito, mas da qual Santos Júnior deixou clara notícia. Nesta aldeia, há ainda notícia de uma outra figura, análoga à que existia na vizinha Lagoaça, que se chamava “Zangarrão” e que saía no dia de Reis.
O "Velho" e a "Velha" - Bruçó
Simultaneamente rituais de passagem para os rapazes das aldeias, estas festas eram igualmente eventos de exorcização dos espíritos maus, apelando ao surgimento das forças benéficas da Natureza, que haveriam de dar vida a um novo ciclo de prosperidade e fertilidade, encerrando o ciclo anterior.
O "Soldado" e a "Sécia" - Bruçó
Se atentarmos nos diversos elementos que caracterizam estes mascarados, facilmente constatamos, por exemplo, o seu carácter apotropaico. O “Chocalheiro” percorre toda a aldeia, pedindo esmola para o Menino, ao mesmo tempo que, com o som que produz, expulsa os espíritos malignos da comunidade. A cor vermelha, abundantemente utilizada nas indumentárias, também não é despicienda. Desde sempre que a esta cor é associada uma finalidade apotropaica.
O "Chocalheiro" - Bemposta.
As máscaras têm cornos e representação de serpentes. Os cornos estão associados ao Touro, símbolo da força e da virilidade. A presença da serpente contém em si duas simbologias: por um lado, os ofídios largam a pele e hibernam. Representam na perfeição a morte do ano velho e a sua substituição pelo ano novo. Por outro lado, estão igualmente associadas à fertilidade pela sua forma fálica (em apontamento lateral, refira-se que o poeta romano Avieno, na sua “Ora Marítima”, indica as terras altas do Norte, como a terra do povo Ofi – o “Povo das Serpentes”. O que, a juntar a algumas gravuras serpentiformes referenciadas na zona, não deixa de ser um dado curioso).
O "Farandulo" - Tó
Alguns destes eventos são, marcadamente, rituais de passagem. O exemplo do Farandulo de Tó é significativo. Existe um ciclo de 4 anos, ao longo dos quais o mesmo rapaz incarna o “Moço”, depois, no segundo ano, a “Sécia”, no terceiro ano o belicoso “Farandulo” e, no quarto ano, o “Mordomo”, figura já completamente integrada na sociedade local.
O "Moço" e a "Sécia" - Tó
Este tema é rico, extremamente interessante e dá pano para mangas. Tenciono voltar a ele num contexto mais alargado e rigoroso. Em jeito de desabafo final, deixo aqui um comentário crítico à excessiva mercantilização, e descontextualização destes eventos que tem lugar através de desfiles promovidos nos grandes centros e representações artificiais promovidas para as televisões, quando por estas solicitadas. Toda a promoção é pouca. O caminho passa pela crescente valorização e divulgação do nosso património imaterial. Para que os visitantes sedentos destas tradições únicas nos visitem. Se levarmos a montanha a Maomé, Maomé já não vem à montanha. O exemplo dos Caretos de Podence é a materialização de tudo aquilo que se deve evitar. Se eu os posso ver, num qualquer mês do ano, numa qualquer cidade, por que razão me irei deslocar a Podence? Estas manifestações, mais próprias de bandas de rock'n’roll, bastardizam e negam a essência dos rituais originais."
Texto e fotos: Antero Neto.