domingo, 15 de março de 2015

"Serrar a Velha" em Remondes

"Esta velha tem malícia,
Esta velha vai morrer,
Venha ver serrar a velha,
Muita gente venha ver!"

"Serrem a velha,
Deixem a nova!
Serrem a velha
Até à cova!"
(versos retirados do panfleto distribuído em Remondes).

Em 2014, por iniciativa da União de Freguesias de Remondes e Soutelo, presidida pelo dinâmico António Cordeiro, foi retomada uma tradição que se tinha perdido há cerca de trinta anos atrás. Numa organização conjunta com a Associação de Desenvolvimento Social e Cultural de Remondes, este ano manteve-se a festividade a que pude assistir pela primeira vez. O cortejo, cujos participantes vão chocalhando e produzindo grande ruído e alarde, vai percorrendo as ruas da aldeia de Remondes e pára em locais predeterminados. Uma vez ali, a figura que vai em cima do carro de bois (embora, neste caso, puxado por um par de burros) lê um verso com crítica social, mandando serrar aquela velha. Em baixo, dois homens vão serrando um tronco. No fim de cada alocução, o coro que persegue o carro manifesta-se em uníssono. Depois de cada paragem, o cortejo coloca-se novamente em marcha, e assim sucessivamente até completar o percurso.


Mas, falemos um pouco desta tradição. Transversal a todo o país, realiza-se de Norte a Sul. Assenta em usanças pagãs, cuja origem se perde no tempo e tem lugar na cristã Quaresma (em mais uma das múltiplas "adaptações" católicas aos rituais pagãos). Como é sabido por quem se interessa por estas coisas, o calendário do universo rural não se prende com as comezinhas divisões administrativas oficiais. A vida do agricultor rege-se por ciclos produtivos (como, muito bem, referiu Carlos Ferreira no colóquio de S. Pedro da Silva). Já Jorge Dias dizia que "ao homem do campo o calendário interessa pouco." (in Rio de Onor).
A respeito desta festa cíclica, escreveu Teófilo Braga que "a Quaresma é representada por uma entidade e logo que se chega a metade deste período de sete semanas, faz-se a Serração da Velha. Entre os árabes, os sete dias de solstício do inverno são chamados os dias da Velha." (in O Povo Português...). Assim, na opinião deste eminente estudioso, o Serrar da Velha não representa mais do que a celebração do final do Inverno. Esta estação do ano é figurada pela Velha, cuja serração simboliza o seu fim. Até ao novo ciclo...

Algumas palavras finais de apreço:
1. para António Cordeiro pelo excelente trabalho que vem desenvolvendo com as suas persistentes pesquisas; Que nunca se canse...
2. pela excelente refeição que nos foi servida no final. Como disse o Mário Correia, há bem há que não comíamos uma massa que nos soubesse tão bem! Parabéns a quem a confeccionou...
3. para a participação maciça da juventude. Mais uma vez, garantia de continuidade do ritual...
4. ao executivo municipal. A sua presença serve para valorizar o trabalho da comunidade...