Castelo de Penas Roias.
"Pelo que entendi do meu avô, o tio Delfim de bens terrenos não tinha onde cair morto. Apenas um burro lazarento em que se deslocava de Vilarinho para casa dos amigos, uma espingarda manhosa de carregar pela boca e a roupa que lhe cobria os ossos (...)(...) o tio Delfim, em Penas Roias, não faltava à matança dos porcos dos vários amigos. Naquele ano começou por lamentar-se que era um desgraçado, que nunca poderia pagar com semelhante festa. Um dia, qual não foi o espanto de todos, o tio Delfim foi logo de manhã cedo bater à porta dos seus amigos:
- Vá, graças a Deus, desta vez lá chegou o dia de vos convidar à matança do meu porco...
O meu avô e os demais não queriam acreditar e comentavam:
- Como é que o Delfim arranjou dinheiro para comprar o porco?
Mas lá se dirigiram ao casebre onde mal cabia ele e o burro. E ali não faltava nada: eram os figos secos, as nozes e marmelada, pão fresco, vinho e aguardente.
Decorrido o mata-bicho tradicional nestas terras em dia de matança de porco, o tio Delfim pergunta:
- Quem leva a corda com o laço? Tem de ser um valente, que eu nunca vi porco tão bravo como este meu.
Os convivas escolheram o mais valente. Chegados à loja ele tornou:
- Ó Manuel, não abras muito a porta, que esse diabo pode escapar-se-nos, é pior que um porco montês, eu nunca vi tal...
Os matanceiros estavam suspensos destes avisos e cautelas. Abrem a porta devagarinho como se impunha, não fosse o bicho tecê-las e o que é que vêem? Um "porco-bispo" que, assustado, voava de caibro em caibro.
Foi festa geral acompanhada de gargalhadas pela surpresa só possível com aquele homem dos diabos. E o cevado não era senão um pobre pisco que na noite fria de Dezembro ali procurara abrigo." - Afonso Maria de Castro, in "Bi-tó-rô" (Associação Cultural e Recreativa de Soutelo, 1996).
Fotos: Antero Neto