Petróglifos em Tó

Tó é uma aldeia mágica. Não tem parado de me surpreender. De descoberta em descoberta, chego à conclusão que encerra no seu território e história marcas únicas que o tempo não consegue apagar. Desde o ritual de solstício - que é o mais rico em simbologia de entre todos os do concelho, quiçá de Portugal - até aos numerosos achados arqueológicos que se me vão revelando, esta freguesia mogadourense é uma verdadeira arca do tesouro. Desde a última visita que as minhas preciosas cicerones, a Manuela Rodrigues e a D. Balbina, me tinham falado numas estranhas covinhas existentes numa fraga, perdida algures no meio de densos bosques. A curiosidade impeliu-me novamente até lá. E o tempo foi dado como muito proveitoso.

Acompanhado pela equipa familiar, pelo amigo Pimenta de Castro e pelos amigos albicastrenses Isaías Cordeiro e a esposa D. Fernanda, lá fomos seguindo até à estrada mourisca, admirando fontes, vales e as ruínas de um forno telheiro...

Passámos por um nicho pétreo que albergou imagem sacra, certamente evocativa de protecção dos viajantes. Ainda esboçámos vã tentativa de leitura epigráfica. Fica para outra ocasião.

Prosseguimos em direcção à ponte que faz a fronteira entre os termos de Tó de de Vila de Ala. Embora sirva os passantes da antiga via secundária romana, a travessia é bem mais recente.

Ali chegados, fizemos inversão da marcha e partimos à descoberta das "covinhas".

Situam-se num abrigo rupestre, do tipo "pala" e o local é verdadeiramente inspirador e prenhe de misticismo. Rodeado por um denso bosque de carvalhos, no seio de um megalito saliente que se impõe na paisagem e bordejado por húmido regato que se transforma em poderoso ribeiro quando a pluviosidade aumenta de tom.
Depois de contabilizadas e registadas as "covinhas", naquilo a que convencionámos chamar de "fraga das covinhas" por ignorarmos a toponímia do local, demandámos a ribeira e um dos moinhos que enriquecem as suas margens. Ali encontrámos as respectivas ruínas, onde se podem observar curiosos símbolos gravados nas pedras.
Antes disso, porém, tivemos que atravessar uma frágil e castiça ponte, que impôs um certo respeito, devido à sensação de que cairia com o nosso peso.

As presença de muitas cruzes e o formato da maior delas, levam-nos a concluir que se trataria de um moinho propriedade de cristãos-novos.

Fotos: Antero Neto.

Este estranho cruciforme parece enquadrar-se na tipologia cristã-nova. Junto à base da figura encontram-se esculpidas mais duas cruzes pequenas, imperceptíveis na foto. Nas ombreiras do moinho verificámos outras duas cruzes, mais simples e grosseiras do que estas. Desconhece-se a colocação concreta desta pedra na estrutura do edifício, mas estamos em crer que se situasse numa das paredes laterais.

A propósito dos PETRÓGLIFOS, ou "covinhas", socorro-me aqui do trabalho de Fernando Coimbra ("Arte rupestre no concelho de Barcelos") para fornecer uma hipotética explicação para os mesmos:
" Para o homem pré-histórico, certos lugares eram sagrados e era aí que se manifestava a divindade e se lhe devia prestar culto. De acordo com Luís Benito del Rey e Rámon Grande, “tales enclaves eran verdaderos templos(...) elegidos para cumplir una doble función: propiciar el favor de la divindad y rendirle culto mediante una muestra perpetua del sentido del rito. Para eso, nada mejor que pintar o grabar en la roca, símbolo de la inmutabilidad” ( BENITO del REY e GRANDE del BRÍO, 1995: 13). A rocha assim gravada fica investida de uma qualidade sagrada, implicando que “en ese espacio sagrado, la divindad volverá a manifestarse, cada vez que el hombre, a través de los ritos de propiciación la invoque” (BENITO del REY y
GRANDE del BRÍO, 1994:131)."
Curiosamente, tal como num dos achados em Barcelos, também contei 33 covinhas em Tó. Há autores que relacionam este tipo de gravuras com constelações estelares. De salientar que a principal diferença entre estas gravuras e outras deste género que já vi referenciadas é que estas se encontram num contexto semi-fechado, de abrigo tipo "pala", enquanto as outras se encontram em rochas à superfície, e em contextos líticos distintos (granito).
O autor citado situa cronologicamente estas manifestações de arte rupestre desde o Neolítico até à Idade do Ferro.
Voltando ao autor e obra citados, em relação à leitura das "covinhas": "É certo que muitos pretendem ter decifrado o seu significado, vendo nelas a representação de mapas astrais, recipientes para oferendas aos deuses, indicações de cursos de água e símbolos do sexo feminino, entre outras teorias." Após a minha observação fiquei convicto que a disposição das covinhas não é aleatória, pois pareceu-me vislumbrar nelas uma certa ordem, atendendo a que se encontram dispostas em pequenos grupos com aparente sentido posicional. Mas, deixo o assunto a quem sabe...
Voltando a Tó, a Manuela contou-me que o André lhe tinha falado em gravuras rupestres em forma triangular. Já estou em pulgas...