segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Festas de Solstício em Mogadouro - Parte II

Na sequência do anterior artigo dedicado ao tema das festas solsticiais em terras de Mogadouro, venho agora descrever um pouco da sua essência, para que o leitor crie apetite suficiente para nos visitar. Situado na base do triângulo que tem por vértices as zonas de Bragança/Vinhais, a norte, e Freixo de Espada à Cinta e Miranda do Douro, a sul, o concelho de Mogadouro foi (é) rico nestas tradições. Aldeias como Vilarinho dos Galegos, Valverde, Castelo Branco, Sanhoane, Quintas das Quebradas, e outras, deixaram cair as suas festas em desuso, apenas se conservando notícia delas por estudos de diversos investigadores.
Velho a perseguir desafiador com bexiga - Bruçó
Mas, tal como foi referido, subsistem quatro valiosas excepções, cada uma com traços próprios. Assim, em Bemposta, nas manhãs de 26 de Dezembro e 01 de Janeiro, sai à rua o “Chocalheiro”, que percorre as ruas da freguesia, tirando a esmola para o Menino e assustando, ao mesmo tempo, os moradores, enquanto agita o chocalho pendurado nas costas. Da sua indumentária negra, fazem parte uma bexiga de porco, cheia com ar, uma serpente, uma máscara com cornos e o chocalho. O “mordomo” acompanha o “chocalheiro” nas suas incursões. O privilégio de usar a fatiota é licitado entre os rapazes da aldeia.
Soldado a usar o cinto - Bruçó
Em Bruçó, a festa desenrola-se no dia 25 de Dezembro. Além da figura entretanto desaparecida do “Chocalheiro”, entram em acção dois “casais”: o “Velho” e a “Velha” e o “Soldado” e a “Sécia”. A todos compete percorrer a aldeia e bater às portas, em busca de donativos para o Menino. Enquanto isso, os restantes rapazes da aldeia enchem com ar bexigas de porco, que prendem na ponta de compridas varas. Munidos desse artefacto, desafiam o casal dos “Velhos”, batendo-lhes com a bexiga na cabeça. Começa aí a animação da festa, com a perseguição dos desafiadores. O objectivo dos “Velhos” é rebentar todas as bexigas. Só quando tal tarefa estiver terminada é que se dá por concluída a festividade. Antigamente, quando abundavam os rapazes na aldeia, era neste dia que se mediam forças entre eles. Davam-se grandes disputas, que animavam toda a população por largas horas. Enquanto isso, a “Sécia” vai provocando o caos, agarrando-se a todos os homens que se cruzam no seu caminho. O “Soldado”, munido de um largo cinturão de cabedal, fustiga com violência as costas dos que se atrevem a agarrar-se à “Sécia”. Aqui, o caso não é para brincadeira, porque o “Soldado” bate mesmo. Não há simulações (exceptuando o caso de crianças e idosos, como é óbvio).
Luta entre o Moço e o Farandulo - Tó
Em Tó, são igualmente quatro os actores. O “Mordomo”, o “Moço”, a “Sécia” e o “Farandulo”. A “Sécia” transporta um ramo enfeitado com diversas guloseimas, encimado por uma laranja. O “Farandulo” tenta roubar-lho. Mas, está lá o “Moço”, armado de um varapau, que a defende das investidas daquele. Estas cenas desenrolam-se pelas ruas da aldeia, enquanto o “Farandulo” vai “assaltando” as casas, estrategicamente com as portas abertas, onde enfia uma longa estaca, com a qual “rouba” chouriças dos fumeiros. O “Mordomo” recolhe a receita a favor do Menino. Esta festa tem lugar no dia 01 de Janeiro.
Farandulo com chouriça "roubada" de fumeiro - Tó
Em vale de Porco, no dia 25 de Dezembro, sai à rua o “Chocalheiro”, que com a sua máscara horrenda e com o seu chocalho, vai igualmente percorrendo as ruas da aldeia, e recolhendo a esmola para o Menino.
Nas máscaras de Bemposta e de Vale de Porco, predominam os motivos zoomórficos, nomeadamente a serpente e os cornos. A razão já foi explicada no artigo anterior. Tal como a predominância da cor vermelha na fatiota de Bruçó.
Todos os actores são rapazes. Antigamente eram todos solteiros. Nos dias que correm, devido à razia demográfica, já há homens casados a assumirem algumas das personagens. Esperemos que as novas gerações mantenham o gosto pela tradição e rapidamente nos forneçam a “mão-de-obra” necessária. A avaliar pela adesão dos mais pequenos, penso que temos razão para estarmos ligeiramente optimistas…
Texto e fotos: Antero Neto / Texto originalmente publicado no blogue "Farrapos de Memória".