terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Casamentos de entrudo em S. Martinho do Peso

"A manifestação mais importante do entrudo processava-se altas horas da noite e era toda obra dos rapazes solteiros. Eram os casamentos.
Devido à configuração geográfica da aldeia, implantada à borda da ribeira, com as arribas dos lados, formavam-se dois grupos de rapazes e ia um para cada lado, com uns enormes funis de lata, e aprontavam-se para fazer os casamentos dos rapazes e raparigas solteiras da aldeia.
Ribeira de S. Martinho do Peso (foto: página do Facebook da freguesia de S. Martinho do Peso)
O casamento era pilhérico e era feito  com personagens, na maior parte das vezes de cariz antagónico  e quase impossível e apanhava principalmente os solteirões empedernidos, como presas mais viáveis para a chacota.
Do lado sul era era o registo civil e era onde eram ditados os dotes das noivas, que eram sempre anedóticos e duma maneira geral impossíveis de realizar. No dia seguinte alguns ficavam zangados, mas a maior parte ria com a brincadeira e era costume selar os casamentos com um abraço.
O som das conversas era aumentado e disfarçado pelo funil de lata, e atravessava a aldeia que toda ouvia atenta os anúncios dos casamentos e dos dotes das raparigas, e mormente os rapazes e as raparigas não perdiam pitada do que se ouvia, com curiosidade do que lhes podia tocar.
O diálogo começava do lado sul, onde estava o registo civil e a chamada inicial era quase sempre assim:
- Alô, camarada, alô!?
- Alô camarada está!
- Então, quem temos hoje para casar?
Seguiam-se os anúncios das pessoas e dos dotes.
Não raras vezes os casamentos geravam arrufos que podiam durar o ano inteiro, mormente se eram entre pessoas de relações cortadas. Mas tudo passava com o tempo, até novos casamentos no ano seguinte."
Afonso Caveiro, in "Crónicas de S. Martinho do Peso"

Em Bruçó chamava-se ao funil "embude" e aos anúncios "atorrear". Ainda cheguei a assistir a esta tradição, tanto em Bruçó, como em Peredo da Bemposta, quando era criança. A falta de mocidade vai acabando com todas estas ricas tradições. É uma pena. Principalmente quando se assiste na televisão aos corsos carnavalescos do litoral, que tentam imitar os brasileiros. Confesso que não acho piada nenhuma a uns e outros e não percebo como é que alguém paga dinheiro para ver mamas de silicone a desfilar...