sábado, 2 de março de 2013

Lagoaça

Para terminar a pesquisa sobre o judaísmo no concelho de Mogadouro (ao longo da sua história), faltava-me ir a Lagoaça. Lagoaça foi concelho de Mogadouro até meados do séc. XIX (e por vontade de alguns dos moradores, ainda hoje seria). Aldeia vizinha de Bruçó, também ela está ligada ao meu percurso biográfico, pois, por força da actividade profissional de meu pai, ainda ali morei (embora não tenha memória desse tempo, pois saí de lá com dois anos de idade).
 É uma aldeia que respira pujança na sua arquitectura. Em tempos deve ter sido importante pólo económico nesta área geográfica (ao ponto de ter chegado a ser decretada a mudança para lá do juiz de fora de Mogadouro, embora a medida fosse revogada e não concretizada, e tal desiderato se prendesse com questões políticas conjunturais). A tradição oral diz que por ali ficaram os judeus que vinham fugidos de Espanha a cavalo (os calçados e a pé terão seguido para Vilarinho e os descalços para Carção e Argozelo - Leite de Vasconcellos, Etnografia, vol. IV).
D. Dinis atribui-lhe carta de foro em 1286. A Junta de Freguesia festejou o aniversário do facto através da edição de importante obra que reúne trabalhos de diversos autores e de que aqui já dei conta. As marcas dessa abastança ainda se fazem notar nas bonitas fachadas que enfeitam as ruas e praças da localidade.
E quando me preparava para vir embora, depois de recolher o que interessava, eis que uma voz me questiona: "gosta de Lagoaça?"
 "Sim! Claro que gosto!", respondi surpreso com a invectiva inesperada. Procurei a origem do som e deparei-me com três simpáticos anciãos que gozavam o tímido sol de Março, pacatamente sentados no largo amplo onde tantas vezes passei no autocarro com destino a Coimbra.
Fotos: Antero Neto.
Chamaram-me para dois dedos de conversa. E em boa hora o fizeram. Que tarde deliciosa ali passei a escutar atentamente histórias, tradições e cantigas de antanho que me debitaram com grande entusiasmo. A senhora do lado direito, D. Maria de Fátima Cordeiro (com uma costela de Tó), é um belo repositório vivo de saberes ancestrais. Eis um dos versos que me legou:
"Lagoaça é um jardim,
Toda a gente diz que sim.
Ó que linda a nossa terra,
Por esses mundos além,
Toda a gente nos quer bem,
Desde o vale até à serra.
Viva Lagoaça, terra portuguesa,
Aldeia pequenina, cercada de riqueza,
Viva Lagoaça, que não tem rival,
Dentro do concelho não há outra igual."
Questionei-os sobre a tradição solsticial do Zangarrão. Já não é da lembrança deles (ti Maximino Fresco tem 80 anos). Ti Maximino e D. Elisa Amélia Barbeiro intervieram amiúde na conversa e falaram-me de uma tradição de passagem de ano. Reunia-se a malta nova e metia um boneco antropomorfo num caixão de madeira e, em procissão liderada pelo portador de uma cruz de palha, davam a volta ao povo. Alguns dos rapazes transportavam artefactos a simular lanternas. À meia-noite em ponto queimavam a cruz de palha e gritavam em uníssono: "morra o velho e viva o novo!"
Ainda me revelaram cantigas e tradições em desuso que prometi recolher com rigor em próxima visita.