sábado, 4 de janeiro de 2014

O Lodo e as Estrelas - Telmo Ferraz

Já aqui tinha falado desta obra, mas só agora a adquiri. É um livro emblemático, que chegou a ser alvo da máquina censórea do Estado Novo, que retrata a crua realidade sócio-económica associada à construção das barragens do Douro, no Nordeste, em plena década de 50 do século passado. Mais uma vez, a prosa deliciosa do escritor natural de Bruçó, envolve o leitor, transportando-o para universos aparentemente longínquos, mas que coabitaram paredes-meias com a ruralidade bucólica que, muitas vezes, julgamos ter preenchido com plenitude o quotidiano dos nossos pais e avós.
"O Zé Manuel nunca viu um prato, nunca viu uma mesa. Come dum caçoulo, sentado no chão.
Anda sujo. Anda roto. Anda alegre.
Joga a bola. Joga o pião. fala mal.
Não sabe o Pai-Nosso.
Sabe coisas feias e dorme com uma irmã.
São seis na barraca. Só há duas camas, com três mantas de farrapos.
Todos os dias apanha duas sovas da mãe e uma do pai.
No fundo, é bom. Sabe coisas feias, mas tem um coração de anjo.
Chora... Ri...
Quando pode, rouba e vai comprar rebuçados que têm jogadores. Troca-os por botões. Joga os botões... e joga o soco.
É um fenómeno.
7 de Janeiro de 1958"
In, O Lodo e as Estrelas, pág. 91.

Nota: este livro encontra-se à venda em Mogadouro, na loja "Sabor a Douro", na Rua dos Távoras, n.º 6