quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Registo Civil, Trindade Coelho e Maçonaria

A propósito de um pequeno "desafio" que me foi lançado por Berta Roque na página das "Tertúlias do Nordeste Transmontano", no Facebook, e de um comentário outrora aqui deixado por um leitor, cumpre tecer aqui algumas breves considerações acerca do tema focado no título do post.
Durante o séc. XIX discutiu-se o monopólio registral da Igreja, uma vez que os não católicos viam os seus direitos limitados no que a esta matéria concerne. A discussão acabou por conduzir à criação de legislação que instituiu, pela pena de Mouzinho da Silveira, o registo civil (Decreto de 16 de Maio de 1832). Contudo, a sua implementação no terreno sofreu dificuldades e foi alvo de obstáculos, nomeadamente, por parte do todo poderoso aparelho clerical.
A partir de 1835, a responsabilidade pelo registo civil ficou a caber aos administradores do concelho.
Em 1867 é regulamentado o casamento civil para os não católicos. Porém, devido às barreiras supra referidas, o registo civil só fica completamente regulado em 1878 ("o cristão cedia o lugar ao cidadão" - in Maria Moura, A guerra religiosa na Primeira República).
Meirinhos (foto: Antero Neto)
Com a implantação do regime republicano em 5 de Outubro de 1910, começa a gizar-se a separação a sério entre assuntos clericais e temporais. O poder da Igreja afrontava o Estado e havia necessidade de separar as águas. Muitas e sãs medidas foram então tomadas nesse sentido (entre outras, a revolucionária lei do divórcio). Para o que ora nos interessa, o registo civil foi tornado obrigatório pelo decreto de lei de 18 de Fevereiro de 1911. Esta lei previa Conservatórias de Registo Civil nas sedes de distrito, oficiais de registo civil nas sedes de concelho e para os locais mais distantes, postos de registo civil (Art.º 27.º), de forma a que toda a população ficasse servida. Daí que Berta Roque fale, e bem, que em 1914 existia registo civil em Meirinhos (como existiria noutras pequenas localidades afastadas das sedes de concelho).
Trindade Coelho e a Maçonaria. A que propósito? Para que estas medidas ganhassem corpo de lei, foi necessário muito trabalho de sapa. A Maçonaria desempenhou um papel fundamental nestas conquistas. Trindade Coelho foi um dos principais lutadores pelos direitos civis do seu tempo. A sua imensa obra (ABC do Povo, Manual do Cidadão Português, Remédio Contra a Usura, etc, etc...) é testemunha dessa acção. Não se pode falar abertamente num Trindade Coelho republicano, pois nunca se chegou a filiar no PRP (Partido Republicano Português). No entanto, a sua participação em diversas iniciativas (comícios) em prol dos ideiais democráticos e o facto de se alegrar por o seu filho ser republicano, deixam entender a sua clara inclinação para este campo. A finalizar, resta acrescentar que Trindade Coelho foi iniciado maçon na Loja Solidariedade (GOL), em Lisboa, em 1906.

Nota final: curiosamente, passados mais de 100 (!) anos sobre a criação destas medidas, as escolas públicas (do Estado) ainda continuam a levar os alunos à missa!!!